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sexta-feira, 24 de setembro de 2010

A procura de poesia

Certa vez eu caminhava pelo centro de Ribeirão. Calor, ar seco, cansaço e sede. Abandono a multidão apressada do calçadão e tomo o caminho da (biblioteca) Altino Arantes.
Recolhido em uma mesa me recupero com uma garrafa d'água e um livro de Baudelaire.
Não passa muito tempo que estou ali e senta um homem do outro lado da mesa. Decerto não notou minha indisposição, e minha consequente irritação, pois logo me interrompe:
- Eu não sabia que eles tinham livros de Baudelaire aqui.
- Eles têm. Mas este é meu. Digo sem fingir simpatia.
- Ah! Eu entendo um pouco de Baudelaire. Eu fiz alguns trabalhos sobre ele na faculdade. Aliás considero o primeiro dos modernos um dos maiores críticos do nosso tempo.
Abaixo um pouco o livro para olhar com mais atenção para tal figura. Juro que o reconheço, não tanto pela fisionomia meio extravagante como pela sonoridade pernóstica de suas palavras. Em minha graduação eu era rodeado por por coisas do tipo. E com a familiaridade de um velho conhecido eu digo:
-Aposto que sim, sua disposição demonstra bem isso.
Com um contentamento extraordinário a figura se põe a discorrer sobre o maldito poeta e a relação dele com a modernidade, com a Paris spleenática e sobre si mesmo, evidentemente. Sem notar minha expressão estupefata ele discorre em longos, e intermináveis, minutos, absorto que estava em falar de suas preciosas impressões e de sua notável compreensão da poética melancólica e repleta de ironia do tal francês. Ainda não contente com sua palestra anterior e embriagado pelo som de sua própria voz ele tenta me ensinar sobre a urbanização de Paris vista sob a ótica de Baudelaire (citou os macadames!), além de tentar me convencer da existência de um Baudelaire apiedado com a miséria da massa (!) na grande metrópole.
Por fim, meu velho colega termina sua explanação com uma expressão francesa que não consegui distinguir e arremata com a seguinte frase:
- Como um sociólogo ele compreende o espírito do seu tempo e perscruta a alma de sua gente.
Eu não consigo esquecer desta frase. Ele realmente usou a palavra perscruta.
Ainda cansado pela caminhada ao ar seco, não consigo disfarçar minha irritação e levanto num sobressalto.
- Puta que pariu, poucas veze ouvi tanta baboseira. Você pode ter lido, como bem mostra suas palavras, As Flores do Mal e o Spleen de Paris mas dai dizer que vc entende de Baudelaire é uma grande bobagem. Você pode entender de semiótica, sociologia e qualquer ciência do tipo mas não venha você me falar que compreende poesia.
Sob o olhar atônito de outros leitores eu me retiro do local, mas não sem antes arremessar minha garrafa, já vazia, na testa do desgraçado.
Talvez ele tenha me pegado num dia ruim ou então eu estava em meus melhores momentos e resposta melhor não existiria. Ainda assim, eu poderia ter jogado o livro. Contudo, apesar de seus leitores, eu aprecio muito Baudelaire.

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